sexta-feira, 29 de outubro de 2010


Certa feita houve um alguém de nome composto e curioso que entrou na minha vida através de trocadilhos, talvez muito antes de participar dela. Alguém que, de longe, me parecia muito maior do que, mais tarde, vim a descobrir que é. Era alguém que sabia muito bem o que a vida era – digo, o que a vida é: um pisca-pisca. E entendia muito bem que a vida, especialmente a dela, era um rosário. Que recitava poemas de cor. E que escrevia poemas sem nenhuma cor. Era alguém de riso fácil e aberto, mas que dificilmente ficava feliz ou se abria verdadeiramente. Era contraditória, e aí estava o maior trocadilho de todos. Era alguém de humor variável, que tinha fases como a lua e como eu e que oscilava entre palavra e letra num riso de estrela. Ela estava condenada a uma prisão perpétua, dentro de si. Acho que eu também. Mas a diferença é que eu tinha fome de toda a liberdade do mundo. Meu coração tinha asas e coragem suficiente pra voar. Eu tinha sede da vida, e queria tomar a vida toda de uma vez, num gole só. Eu corria rápido demais, mas parava muito durante o caminho. Ela caminhava devagar e sem pressa, mas quase sempre chegava antes de mim. Nossa união foi um passeio, um role, um sonho de irmandade. E os sonhos eram nossa maior viagem. Viajávamos longe por eles e para eles e nem ligávamos se não dava em nada. Ela era alguém que temia as borboletas, temor esse que de alguma forma que eu não sei bem como explicar, me encantava. Era uma hipocondríaca, que tudo sentia sem nunca sentir nada. Era alguém que não tinha apenas duas caras, como todos nós temos. Ela tinha incontáveis faces que eu nunca conseguia desvendar. Ela era um paradoxo. Era ela paralela a si mesma. Era muita pretensão querer entender.

De longe, cheguei a pensar que as semelhanças nos aproximariam em alguma esquina. Nossas músicas, nossas palavras, nossas cores, nossas rimas, nossos sonhos. Mais tarde vim a perceber que foram as ditas cujas semelhanças, malditas, que nos afastaram de um jeito talvez irreversível. A palavra dita não volta. É que nós, que sempre gostamos muito de dizer e dizer de tudo, dissemos demais. Porque ouvimos as mesmas músicas, lemos os mesmos livros e gostamos de cores que, de algum modo (talvez do nosso modo) combinam. Eu não sou delicada. Ela também não é. Por isso, não soubemos nos afastar de um jeito sutil, sem que ninguém percebesse e sem choque. Somos fortes. Somos feras. As duas. E, como fortes feras que somos, quase lutamos com toda a força que não tínhamos. Nossa força está no coração. E foi assim que eu lhe dei um apelido, ela me deu nada. Eu lhe dei minha loucura, ela me deu um sorriso. Eu lhe dei minha palavra, ela me deu a melodia. E por fim, demos uma à outra o cheque-mate. Chegou ao fim, morreu. E foi assim que nos afastamos. No susto. No impulso. No ímpeto. De repente, nos repelimos, como dois átomos de cargas iguais que não se atraem. A diferença é que átomos de cargas iguais jamais se atraíram, em hipótese alguma. E nós... Nós chegamos a acreditar, em algum momento, que seríamos uma para a outra a irmã que jamais tivemos. Não fomos e nem seremos. Em certo momento, caminhamos lado a lado nos passos, mas nunca no sentimento. A verdade é essa e é preciso que ela seja dita, porque gosto de verdades. Acredito que ela também goste. E acredito que, no fundo, ela já saiba de cada palavra minha. Ela se conhece e me conhece muito bem.

Talvez nunca tenhamos gostado verdadeiramente uma da outra, mas sempre soubemos quem éramos. Estivemos por um longo tempo lado a lado, mas nunca no mesmo chão. Ela morava na Terra e eu talvez nem soubesse onde morava. Ela me julgava louca, mas eu sei que no fundo ela também era. Concorríamos na nossa loucura e em quase tudo, porque éramos diferentemente iguais, porque éramos ímpares, singulares. Tínhamos o mesmo contorno, mas nos preenchíamos de modos muito diferentes. Mas foi tudo isso que nos tornou mais q amigas IRMÃS

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